O Triunfo das Carrancas
rioecultura : EXPO O Triunfo das Carrancas : Centro Cultural Correios
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Abertura: 20 de abril de 2010
Encerramento: 21 de maio de 2010

A carranca bem feita quando vista no espelho da água se mexe como coisa viva. Ganha alma.” Palavras do mestre Guarany (1882-1987), o mais célebre carranqueiro do Brasil. Em meados do século passado, estas figuras talhadas em madeira e fincadas nas proas dos barcos que circulavam pelo Rio São Francisco ganharam status de obras de arte. Hoje, fazem parte de importantes coleções como as do paisagista Burle Marx, do galerista Jean Boghici, do empresário e comendador português Joe Berardo e do colecionador João Mauricio de Araújo Pinho, entre tantas outras.

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Agora, pela primeira vez, estas esculturas, ao mesmo tempo intrigantes, belas e assustadoras, vão virar tema de uma grande exposição. A mostra, que tem curadoria e concepção do produtor cultural Romaric Sulger Büel, reúne 35 carrancas originais e 60 imagens originais do fotógrafo francês Marcel Gautherot (1910-1996) que nos anos 40 circulou pelo Velho Chico clicando os usos e costumes da população ribeirinha.

As peças são assinadas pelos mais importantes carranqueiros brasileiros, artistas de raro talento, como o próprio Francisco Biquina dy Lafuente, conhecido como Guarany, e seu filho Ubaldino, e os mestres Agnaldo Manoel dos Santos e Afrânio Barca”, enumera Romaric. Ex-adido cultural do Consulado da França no Rio e responsável por trazer para o Brasil mostras com obras de grandes mestres da pintura, como Claude Monet, Pablo Picasso, Auguste Rodin e Auguste Renoir, ele viu uma carranca pela primeira vez há dezesseis anos no sítio do amigo Burle Marx. “Fiquei hipnotizado pela força daquelas imagens. São peças de grande valor artístico que devem ser conhecidas em todo mundo”, diz.

Foi Romaric quem apresentou as carrancas para o comendador Joe Berardo, um dos maiores colecionadores de arte moderna e contemporânea do mundo. Dono de obras que integram mostras na Tate Gallery e na National Gallery, de Londres, ele reúne no seu acervo particular telas de Picasso, Dali, Pollock, Mondrian e Miró, só para citar alguns nomes. Incentivado pelo amigo francês, Berardo comprou, em 2008, 500 peças de arte popular brasileira que pertenciam ao engenheiro e professor Paulo Pardal, autor do livro Carrancas do São Francisco e falecido em 2002. Parte desta coleção é formada por carrancas navegadas, as mais valiosas, que farão parte da exposição no Centro Cultural Correios. As outras obras presentes na mostra pertencem ao Museu do Folclore do Rio de Janeiro e as coleções José Carvalho, João Mauricio de Araújo Pinho, Roberto Vilela e Vittoria Pardal.

A HISTÓRIA

Já não existem mais nas proas das embarcações são-franciscanas as célebres carrancas _ conhecidas como uma das mais genuínas e enigmáticas manifestações da arte popular brasileira. Feitas de um único tronco de madeira, retratam apenas a cabeça e o pescoço de figuras assustadoras, seres mitológicos. Mistura de homem e animal, com cabeleiras enormes e dentes à mostra, quase sempre, ostentando uma expressão feroz.

Essas esculturas surgiram na cultura nordestina, mais precisamente entre a população ribeirinha do Médio São Francisco, por volta de 1875-1880. Ornamentaram os barcos da região até o ano de 1940, quando se encerrou o ciclo das embarcações no Brasil. Segundo historiadores, as que circulavam pelo Velho Chico foram as únicas barcas primitivas de povos ocidentais que ostentaram figuras na proa.

Conhecido como o rio da integração nacional por ligar as regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, o São Francisco é temido e amado pela população que vive às suas margens. As mesmas águas que fornecem o peixe e regam as plantas, também invadem as casas e matam as pessoas na época das grandes chuvas. Reza a lenda que em seu leito profundo repousa o Espírito das Águas, inspirando, influindo e regendo o destino dos homens.

Alguns estudiosos acreditam que, mais do que meros enfeites, as carrancas serviam como escudo protetor, defendendo o barco dos perigos do caminho e dos maus espíritos ao mesmo tempo em que atraiam a felicidade. Guarany, o mais famoso dos carranqueiros, dizia que as figuras de proa protegiam os barqueteiros dos animais do rio _ segundo ele, jacarés e peixes gigantes.

Mesmo depois que as carrancas caíram em desuso entre os ribeirinhos, Guarany continuou a esculpir suas peças até 1984 a pedido de grandes colecionadores. Nascido em 1882, na cidade baiana de Santa Maria da Vitória, ele criou sua primeira carranca em 1901, aos 19 anos, para a barca Tamandaré _ "era um busto de negro ou caboclo", descreveu. Ao longo de sua vida, morreu em 1997, produziu mais de 200 peças e até hoje é reconhecido como uma artista de refinada sensibilidade e talento.

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UM MUSEU PARA AS CARRANCAS

Romaric e Joe Berardo têm planos de abrir na cidadezinha de Barra de São João, vizinha a Búzios, o Museu de Arte Popular. “A prefeitura de Casimiro de Abreu se prontificou a reformar um casarão do século XVIII para guardar a sua coleção de arte popular brasileira”, conta o produtor cultural. O Ministério do Turismo brasileiro também aceitou participar da empreitada e disponibilizou R$ 700 mil para o projeto que, agora, só depende da aprovação da administração atual.

Além das carrancas _ são 40 no total, o maior conjunto do gênero no país _ o museu vai abrigar as gigantescas esculturas de Francisco Moraes da Silva (1936- 2007), o Chico Tabibuia (algumas obras têm quatro metros de altura, apesar de serem peças inteiriças) e os famosos anjos de Manuel Inácio da Costa (1763-1857), datados do século XVIII, o artista era conhecido como Seis Dedos por causa de sua habilidade fora do comum.

A coleção _ reunida ao longo de 50 anos pelo professor Paulo Pardal _ possui também arte sacra dos séculos XVIII, XIX e começo do XX; peças de origem africana; ex-votos, alguns modelados em ouro e prata; e obras de barro do Vale do Jequitinhonha e de Mestre Vitalino.
Local:
Centro Cultural Correios
Rua Visconde de Itaboraí, 20
Centro
(21) 2253-1580

Funcionamento:
De 3ª feira a domingo, das 12h às 19h

Ingresso:
Entrada franca

Atenção: os horários e a programação podem ser alterados pelo local sem aviso prévio. Por isso, é recomendável confirmar as informações por telefone antes de sair.