Livro de Andy Warhol aborda culto � celebridade, amor e sexo.

ter�a-feira, 16 de dezembro de 2008

No mesmo per�odo em que ingressou no meio de arte, o americano Andy Warhol (1928-1987) pintou os cabelos de branco. Tinha 23 ou 24 anos, era graduado em design na cidade natal, Pittsburgh, e mantinha uma carreira promissora como artista gr�fico. �Resolvi pintar o cabelo de branco para ningu�m saber que idade eu tinha e ia parecer mais jovem para eles do que a idade que eles pensassem que eu tinha�, admitiu, matreiro. Os precoces fios p�lidos, hoje indissoci�veis da imagem do principal nome da arte pop, s�o um dos muitos truques revelados por ele em Filosofia de Andy Warhol: de A a B e de volta a A, lan�ado pela editora Cobog� com tradu��o de Jos� Rubens Siqueira. Original de 1975, o volume prima pelas divaga��es salpicadas de tiradas ir�nicas e lembra papo de bar. Mas, por vias tortas, contribui mais para desvelar a contemporaneidade do que muito comp�ndio acad�mico.

Vitiligo na inf�ncia

A escrita, em ritmo leve, deve-se � compila��o realizada pelos ghost writers Pat Hackett, secret�rio de Warhol, e Bob Colacello, editor da revista Interview, a partir de conversas entre Colacello, Brigid Polk e o artista. De autobiogr�fico, o livro tem quase nada - recorda superficialmente o vitiligo na inf�ncia, os primeiros tempos dividindo apartamento em Nova York, o per�odo em que viveu de an�ncios e desenhos de moda para lojas e para revistas como Vogue, Harper�s Bazaar e The New Yorker.

Nada muito confi�vel, entretanto. Como Warhol comenta, inventava dados biogr�ficos para cada entrevista que concedia, por pura divers�o. Assim, que n�o se busque no livro evid�ncias sobre o homem, mas o registro da constru��o de um mito.

Que tamb�m n�o se espere grandes discursos sobre as premissas da arte pop. Embora intitule um cap�tulo como �Arte�, est� longe de elucubra��es sobre as obras que o deixaram famoso, apropria��es do universo da publicidade e das celebridades como as caixas Brillo, as latas de sopa Campbell�s, as serigrafias de Marilyn Monroe, Elvis Prestes e Liz Taylor. O que o atrai � a arte empresarial, aquela que continuava a ser produzida sob sua assinatura, em seu escrit�rio art�stico Factory, enquanto ele viajava pela It�lia, Fran�a, Inglaterra. �Arte empresarial � o passo que vem depois da arte. Comecei como um artista comercial e queria terminar como um artista empresarial. Depois que eu fiz a chamada �arte�, ou seja l� como chamam, entrei na arte empresarial�, estabeleceu. Por caminhos diversos daqueles pregados pelo conceitual Joseph Kosuth, Warhol encontrou sua defini��o de uma arte desenvolvida a partir da id�ia - e produzida em larga escala, conforme cabia a qualquer produto na Am�rica: �Queria eu ter inventado uma coisa como o blue jeans. Uma coisa para ser lembrada. Uma coisa de massa�.

Paradoxal, Warhol considerava-se um solit�rio seguido por um s�q�ito, defendia que o nada � categoricamente a melhor coisa a se fazer ou pensar. In�meras vezes, classificou como esposa seu gravador de �udio, o qual carregava para todos os lugares. Entretanto, sua esposa ideal seria de carne e osso e �teria que estar montada na grana, me dar de tudo e, al�m disso, teria uma emissora de TV�. Ali�s, ele sonhava ter um programa semanal na televis�o, chamado Nada especial. Mas admitiu ter ficado mudo de pavor todas as vezes em que foi entrevistado durante uma transmiss�o ao vivo.

Defensor do vazio e do nada, Warhol ainda n�o conseguia tratar com indiferen�a os tr�s tiros que levou, em 1968, da feminista Valerie Solanas, fundadora da Society for Cutting Up Men (Sociedade para Eliminar Homens, ou para Capar Machos, em bom portugu�s). O artista tenta soar blas�, mas a preocupa��o com o fim da vida � recorrente. Ele transborda de estupefa��o com o ataque sofrido: �Antes de atirarem em mim, eu sempre achei que estava mais metade l� do que inteiro l� - sempre desconfiei que estava assistindo � televis�o em vez de viver a vida. (...) No momento em que estava levando os tiros e desde ent�o, eu sabia que estava assistindo � televis�o. Os canais mudam, mas � tudo televis�o�.

Rela��es plat�nicas

E o pior, mal sabia Valerie que Warhol n�o era chegado em sexo. Confessa que preferia as rela��es plat�nicas, at� porque detestava ser tocado. Aparentemente, ele nunca fez com Taxi, pseud�nimo da modelo Edie Sedgwick, para a qual dedica o cap�tulo biogr�fico �Amor (Auge)�. Sem citar o nome da musa, estrela de filmes dele, Warhol a descreve como �um vazio lindo, deslumbrante�. Atribui a Edie a inven��o da minissaia e do uso do colante de bal� como traje completo. Mas a chama de drogada, suja e �ego�sta a respeito de absolutamente tudo�. E lembra-se de quando ela o deixou por Bob Dylan � ou �Elvis Presley com C�rebro� � de quem foi namorada antes de morrer por overdose, em 1971. Apesar da mordacidade, o cap�tulo � um dos poucos em que soa sincero.

Escrito quatro anos antes de A condi��o p�s-moderna, de Fran�ois Lyotard, e nove antes do artigo �P�s-modernismo, ou a l�gica cultural do capitalismo tardio�, de Fredric Jameson, entre tantos outros que trataram do assunto, Filosofia de Andy Warhol demonstra as reverbera��es da chamada arte p�s-moderna em seus prim�rdios. Caracter�sticas como o fim das grandes utopias, a simbiose entre consumo e arte, o pastiche e a postura ir�nica est�o presentes numa naturalidade espantosa. Quase banal, o livro � relevante por dar como favas contadas o que a teoria e o meio art�stico confirmaram na d�cada seguinte. Vision�rio, embuste ou ambos, Warhol persiste, irredut�vel.

Por Bianca Tinoco [Jornalista e pesquisadora de arte]
Fonte: JB Online [16.12.08]

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