S�tio arqueol�gico � descoberto atr�s da antiga Esta��o Leopoldina

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Por Fl�vio Tabak

Fonte: http://oglobo.globo.com/rio/sitio-arqueologico-descoberto-atras-da-antiga-estacao-leopoldina-9942607

RIO � O design anat�mico lembra as escovas de dentes vendidas nas farm�cias. No lugar do pl�stico e das cerdas macias, por�m, marfim cuidadosamente esculpido e espa�os para tufos de pelo de porco. No cabo, uma inusitada inscri��o em franc�s: �S M L�Empereur du Br�sil� (sua majestade o imperador do Brasil). Descart�vel para presidentes e monarcas de hoje em dia, o item de higiene bucal e imperial muito provavelmente foi usado por dom Pedro II. Estava guardado h� mais de um s�culo no subterr�neo do terreno atr�s da antiga Esta��o Leopoldina, no Centro.

� apenas uma entre milhares de rel�quias que brotaram de um enorme s�tio arqueol�gico explorado silenciosamente desde mar�o por uma equipe de 26 profissionais e aberto pela primeira vez � visita de rep�rteres. O trabalho convive com o ritmo fren�tico de um canteiro de obras da Linha 4 do metr�, que financia a pesquisa. Ainda em fase de escava��o � a an�lise criteriosa das pe�as ser� feita entre 2014 e 2015 �, as trincheiras j� reconstituem h�bitos sociais do s�culo XIX, principalmente da elite e da fam�lia imperial, que usavam a regi�o como �rea de descarte. H�, em menor n�mero, itens dos s�culos XVII e XVIII. Ao todo, s�o cerca de 200 mil objetos ou fragmentos localizados, 90% deles do s�culo XIX.

� N�o temos motivos para n�o acreditar que a escova foi produzida para o imperador, para a imperatriz ou para alguma princesa. A cerda de pelo de porco se perdeu, mas a escova sobrou � conta o arque�logo e historiador Claudio Prado de Mello, que coordena a equipe.

Outra descoberta relevante � a �rea exata onde funcionou, entre 1853 e 1881, o Matadouro Imperial, local oficial de abate do gado que abastecia a cidade. Sabia-se que o matadouro era ali por causa de um p�rtico preservado, mas v�rios resqu�cios estavam escondidos at� o in�cio das escava��es.

Restou um largo cal�amento de p� de moleque, ossos bovinos de aproximadamente 150 anos, ferros, ganchos e outros ind�cios que ajudar�o a entender a metodologia do abate bovino da �poca. Mas a riqueza do matadouro � o piso original preservado da parte de fora do complexo, j� que os pr�dios foram destru�dos. Canaletas ao redor tamb�m indicam que o sangue dos animais tinha um caminho a ser percorrido rumo aos rios da regi�o.

J� foram abertas pelo menos 11 trincheiras, os buracos onde arque�logos, historiadores, bi�logos e ajudantes trabalham sob a supervis�o do Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (Iphan). Al�m da escova, j� foram identificadas centenas de objetos, como uma garrafa de vidro produzida para a fam�lia imperial, caixas de f�sforo escocesas, canecas com bras�o do Imp�rio e at� um anel e um prendedor de gravata de ouro. Recipientes de pasta de dentes feitos em lou�a t�m destaque na cole��o. H� sabores para todos os gostos, como l�rio florentino e uma mistura de cereja, hortel� e pimenta. Tudo para �limpar e conservar os dentes e as gengivas�, diz uma embalagem, e �free from acid� (livre de �cido), diz outra.

Mello explica que, como n�o havia coleta de lixo, moradores cavavam buracos em seus quintais para enterrar res�duos. Quando n�o existia espa�o no terreno, outros pontos eram escolhidos, em geral os baixos, que precisavam de aterro. Foi o caso da regi�o conhecida hoje como Leopoldina, que j� foi ocupada at� por �ndios temimin�s liderados por Arariboia antes de serem levados para Niter�i no s�culo XVI, explica o arque�logo. A regi�o entre a Cidade Nova e S�o Crist�v�o era muito suscet�vel a alagamentos antes dos v�rios aterros feitos ao longo do s�culo XIX.

� Quando dom Jo�o VI foi para o pal�cio de S�o Crist�v�o, atual Museu Nacional, a solu��o foi criar um aterro, j� que existia um grande p�ntano do Centro at� l�. Esse alagado o incomodava. Em princ�pio era um passadi�o, que virou rua e depois o chamado Caminho das Lanternas � diz Mello.

Para a outra escava��o, a do metr�, s�o fabricados e estocados ali, diariamente, an�is de concreto do futuro t�nel por onde passar�o os trens que ligar�o as esta��es General Os�rio e G�vea. A cada dia, a f�brica produz 18 metros de t�nel. Enquanto as pilhas de aduelas v�o tomando conta do terreno, cuja propriedade � dividida entre os governos federal e fluminense, os profissionais correm para resgatar o passado.

Mello chama a aten��o para o grande n�mero de materiais intactos. Isso se deve, em boa medida, ao uso do terreno ao longo do tempo. N�o h� registro de grandes constru��es por l�. O local foi estacionamento e �rea de manuten��o de trens da antiga Esta��o Leopoldina e, posteriormente, da SuperVia. Mesmo sob o tr�nsito de pesadas composi��es, os objetos resistiram em profundidades de 50 cent�metros a tr�s metros.

Os achados s�o variados. At� frascos de vidro, provavelmente usados em farm�cias, foram preservados com l�quido dentro, de quase 200 anos. Tudo ser� levado ao laborat�rio. Tamb�m foram encontrados 110 recipientes de cer�mica com t�cnica de stoneware, material feito de argila filtrada, batida e cozida em fornos de alta temperatura, principalmente na Alemanha do s�culo XIX. O Brasil importava �gua engarrafada nesses recipientes, que, depois, eram reutilizados.

� No s�culo XIX, foi descoberta no Distrito de Nassau, na Alemanha, uma fonte de �gua com propriedades curativas. Existia, na Europa, uma ind�stria de garrafas stoneware, que s�o extremamente resistentes � diz o arque�logo.

Cachimbos tamb�m sa�ram do subterr�neo. No s�tio no Cais do Valongo, n�o muito longe dali, foram achados os usados por escravos africanos. Na Leopoldina, boa parte vem da Europa. S�o cachimbos que pertenceram a marinheiros que chegavam aqui em navios comerciais e se dispersavam pela cidade. H� pequenas esculturas nas pontas. Uma delas mostra uma figura turca, bastante expressiva. Outra, um homem pedalando numa bicicleta.

Como h� de tudo no lix�o, tamb�m surgiu da terra uma garrafa de vidro usada para �gua gasosa com a inscri��o, em alto relevo, �To the Royal Family� (para a fam�lia real). Tamb�m h� moedas de v�rias �pocas.

At� o fim do ano, todos os buracos ser�o fechados provisoriamente com um material de prote��o, para que as partes do futuro t�nel do metr� possam ser estocadas. A f�brica dos arcos deve terminar sua produ��o apenas em 2015. Em 2016, as trincheiras ser�o reabertas para capta��o de novos objetos hist�ricos. Depois, o Iphan escolher� o destino do material. Superintendente do Iphan no Rio, Ivo Barreto diz que a riqueza arqueol�gica do s�tio do matadouro surpreendeu. Segundo ele, h� conversas iniciadas com o governo estadual sobre a cria��o de um centro de arqueologia que abrigue novas descobertas, inclusive as do matadouro, e trabalhe aliado a universidades:

� � vi�vel pensar num processo de desenvolvimento que n�o abale a mem�ria do Rio, e isso � demonstrado com clareza no matadouro. Ali � feita uma obra importante, foi encontrada uma solu��o vi�vel para proteger o s�tio e continuar depois o trabalho. O acervo do matadouro tem uma escala que n�o esper�vamos, felizmente.

Subsecret�rio estadual da Casa Civil, Rodrigo Vieira conta que os prazos curtos da obra conviveram bem com a pesquisa:

� Fomos ajustando nossos cronogramas para atingir um objetivo comum entre redescobrir e preservar a Hist�ria e fazer uma linha de metr� que atender� 300 mil pessoas por dia.

Tesouro do Valongo ainda est� em cont�ineres

O cruel cotidiano de pelo menos 500 mil escravos que chegaram ao Brasil pelo Cais do Valongo, na Zona Portu�ria, foi detalhado num trabalho arqueol�gico de equipes do Museu Nacional, iniciado em mar�o de 2011, durante as obras da primeira fase do Porto Maravilha. Depois de conclu�da a obra, h� quase um ano, milhares de objetos ficaram guardados em cont�ineres na Pra�a dos Estivadores, tamb�m na Zona Portu�ria. Reportagem do GLOBO de janeiro deste ano mostrou que as pe�as estavam armazenadas precariamente, expostas ao tempo. O material foi guardado depois, mas continua em cont�ineres e s� deve ser transferido em dezembro.

O Instituto Rio Patrim�nio da Humanidade anunciou, em julho, que os objetos do Valongo poder�o ser vistos pelo p�blico at� o fim deste ano, quando o Centro Cultural Jos� Bonif�cio ser� reinaugurado num casar�o da Gamboa, depois de ser restaurado a um custo de R$ 3,4 milh�es. S�o cachimbos, amuletos e pulseiras, entre outros objetos que ser�o expostos em mostra permanente no centro, que far� parte do Circuito Hist�rico e Arqueol�gico de Celebra��o da Heran�a Africana.

Fonte: http://oglobo.globo.com/rio/sitio-arqueologico-descoberto-atras-da-antiga-estacao-leopoldina-9942607

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