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A decadência de um patrimônio histórico - Em sua 28ª edição, Bienal de São Paulo caiu no vazio que se propunha discutir.
quarta-feira, 31 de dezembro de 2008
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Criada em 1951, a Bienal de São Paulo já foi uma das exposições de arte mais importantes do mundo, mas este ano revelou a decadência que já se anunciava nas últimas edições. Com o respaldo de uma fundação sem verbas, o curador Ivo Mesquita deixou o segundo andar do pavilhão do Ibirapuera vazio, expôs uma ou outra obra e realizou shows, performances e debates que deveriam repensar o formato das bienais. Mas as discussões não atraíram o público, que só fez fila para escorregar no imenso tobogã do belga Carsten Höller. O desfecho foi deprimente: 53 dias de prisão para Caroline Pivetta, que pichou o andar vazio. A direção da bienal apenas divulgou uma nota dizendo que não cabia a ela se manifestar pela liberdade da pichadora.

— Se eles quisessem ser paternalistas, que dessem uma aula sobre o que é pichação, depredação. Fiquei altamente indignado com a postura da bienal — diz Nelson Leirner, um entre dezenas de artistas que se manifestaram contra a atitude dos dirigentes da mostra.

O projeto da 28ª Bienal de São Paulo fora pensado com o crítico Marcio Doctors, e inicialmente previa uma exposição em 2010, com artistas cujas obras tratam do vazio, como Mira Schendel, Lygia Clark e Anna Maria Maiolino. Mas Doctors saiu do projeto quando o presidente da Fundação Bienal, Manoel Pires da Costa, disse que não poderia se comprometer com essa segunda etapa. Segundo Doctors, o vazio, uma questão fundamental da arte, foi confundido pela direção da bienal com o “nada”.

— O vazio é uma instância poderosa se você vê nele a possibilidade de vitalidade. Há sempre uma duplicidade do oco e do cheio num objeto, e o vazio tem uma função instauradora de sentido. Mas ficaram na superfície da minha proposta. Não precisamos de uma bienal para se deixar um espaço arquitetônico vazio, que já está assim o ano inteiro — diz Doctors, curador da Fundação Eva Klabin. — A inabilidade dos curadores e da presidência da bienal em lidar com a situação da Caroline Pivetta reflete sua incapacidade de gerir a bienal. No fim, o resultado foi muito triste.

Para o crítico de arte Fernando Cocchiarale, a proposta do vazio deveria ter sido levada às últimas conseqüências, mas ficou “no meio do caminho”. Ele também critica a direção da bienal por não ter se manifestado contra a prisão da pichadora: — É um debate que transcende as circunstâncias de quem é aquela menina, se ela é ou não artista, porque ele tem a ver com uma espécie de tradição de liberdade que as instituições culturais brasileiras sempre procuraram demonstrar.

Uma instituição que, mesmo implicitamente, convoca a intervenção ao deixar um andar vazio não pode se comportar de uma maneira tão radical e conservadora.

Para Luiz Guilherme Vergara, diretor do MAC de Niterói, a situação da Fundação Bienal de São Paulo reflete um problema das instituições culturais em geral, que, segundo ele, estão dependentes ou de organizações financeiras ou da política. Assim como Cocchiarale, Vergara acredita que o debate proposto ficou morno porque não foi radicalizado: — O golpe foi amortecido.

Já o crítico de arte Paulo Venancio Filho nem foi à bienal. — Eu gosto de arte. Se não tem arte, não vou. Se é para resumir a proposta desta bienal, acho ridículo. Foi uma bienal de uma administração corrupta, embalada num invólucro conceitual, e com um final melancólico — diz o crítico, que considera haver uma crise de imaginação nas curadorias. — As grandes bienais seguem o mesmo modelo, é tudo a mesma coisa. Mas a Bienal de São Paulo teve um papel fundamental para a arte brasileira, não pode ser descartada

Fonte: O Globo [31.12.08]

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